
A Argentina vive um momento crucial com a proximidade das eleições legislativas de 26 de outubro. A euforia inicial do governo Javier Milei, que fez os ativos do país dispararem, agora dá lugar a uma crescente cautela. A fragilidade cambial, os sinais de recessão e a perda de apoio político criam um ambiente de alta incerteza para investidores, que temem o fim do chamado “efeito Milei”.
O principal ponto de preocupação é a volatilidade do câmbio. A recente intervenção do Banco Central da Argentina (BCRA), que vendeu US$ 53 milhões em reservas para conter o dólar, acendeu um alerta. De acordo com o Bradesco BBI, a credibilidade do sistema de bandas cambiais está em xeque. Com apenas US$ 22 bilhões em reservas livres e 26 dias até a eleição, o BCRA tem pouca margem de manobra. O banco detalha três cenários:
Conservador: o BCRA age apenas para suavizar a volatilidade, usando cerca de US$ 1,3 bilhão.
Moderado: o uso diário de US$ 150 milhões pode ser sustentável por um tempo, mas aumenta o risco.
Agressivo: o gasto de US$ 300 milhões por dia poderia esgotar as reservas rapidamente, forçando uma desvalorização e gerando graves consequências eleitorais.
Riscos adicionais, como o vencimento de dívidas em pesos e a aceleração de importações antes de uma possível desvalorização, podem pressionar ainda mais as reservas.
A economia argentina já está em um cenário de retração. O JPMorgan avalia que o país caminha para uma recessão técnica, após o PIB do segundo trimestre recuar. Indicadores de julho e agosto apontam para uma retração ainda mais forte, e a derrota de Milei nas eleições da Província de Buenos Aires aumenta a incerteza política, que impacta diretamente a economia.
O Itaú BBA reforça essa visão, destacando a queda de 0,1% no PIB trimestral, impulsionada pela redução do consumo privado e dos investimentos. A confiança da população também está em queda, com o índice de confiança do consumidor da Universidade Torcuato Di Tella caindo 13,9% em agosto. Esse cenário, somado aos juros altos que estagnaram o crédito, reforça os riscos de queda para as projeções de crescimento de 5% em 2025.
A dimensão política agrava a crise. A derrota em Buenos Aires foi lida como um sinal de enfraquecimento do governo, que tentou uma manobra tática ao prometer aumentar os gastos em áreas como saúde, aposentadorias e educação – setores duramente afetados pela austeridade. No entanto, a Câmara dos Deputados derrubou vetos presidenciais, evidenciando que Milei perdeu o controle sobre o Congresso. A rejeição popular foi ainda mais elevada por um escândalo de corrupção envolvendo sua irmã, Karina Milei.
A avaliação de grandes bancos converge: a Argentina atravessa semanas críticas. O Bradesco BBI ainda vê incerteza, recomendando uma postura defensiva e preferência por ativos de empresas ligadas à energia e exportações, menos expostas ao consumo doméstico e à volatilidade do câmbio. A queda dos títulos soberanos argentinos ao menor nível em um ano é um alerta claro de que a confiança dos investidores está em declínio, e o JPMorgan avisa que a reconstrução das reservas internacionais será um desafio crucial após as eleições.